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O exemplo de Aivados

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A aldeia de Aivados, com 150 habitantes, situada a 13 quilómetros da sede do concelho, Castro Verde, é única no Baixo Alentejo: é uma aldeia comunitária, desde o século XVI, possuindo, além de um “governo”, com o seu próprio regulamento interno, 400 hectares, um rebanho comunitário, vários prédios urbanos e alfaias agrícolas.
Quem é natural ou reside há mais de um ano na pequena comunidade dos Aivados não precisa de se preocupar em arranjar dinheiro para comprar um terreno para construir casa própria: por “lei”, em efectividade desde, pelo menos 1562, tem direito a esse terreno gratuitamente, só o pagando à comunidade  se, entretanto, decidir vender a casa. Mais: como cidadão de pleno direito da comunidade, tem também direito a uma parcela de terreno nos “ferrageais” junto à aldeia, onde poderá fazer uma horta, criar galinhas ou outros animais, desde que não criem problemas ambientais aos restantes habitantes. Mais ainda: na véspera de Natal, para reforçar a ceia e poder comprar mais uma ou outra peça de roupa para suportar o Inverno, receberá uma verba em dinheiro, uma percentagem dos lucros obtidos pela comunidade na exploração dos terrenos mais desviados da aldeia, a que chamam as “folhas”.

Aivados é uma aldeia única no Baixo Alentejo. No entanto, a sua história, que remonta ao século XVI, é pouco conhecida, inclusive a nível regional, talvez por só existirem publicados e pouco divulgados dois trabalhos com profundidade sobre a aldeia: um jornalístico, publicado no “Diário doAlentejo”, em Setembro de 1982; outro na área da antropologia, um trabalho de mestrado, realizado em 1997.

Não se sabe ao certo em que ano e quem doou aos moradores os 400 hectares que cercam a aldeia de Aivados. Terrenos que, ao longo da história, têm sido cobiçados por muitas entidades públicas e privadas e sido alvo de várias tentativas de usurpação. No entanto, através de processos judiciais, um dos quais demorou 93 anos a ser resolvido, os moradores sempre conseguiram preservar o seu património.

Diz a tradição oral que os Aivados sempre foram “governados” por uma comissão, eleita por todo o povo, composta por vários cidadãos. É de 31 de Janeiro de 1934 a acta escrita mais antiga que fala no assunto, referindo que essa comissão era constituída por um presidente, um secretário, um tesoureiro e três vogais. Essa comissão – que, refira-se, sempre funcionou, mesmo no tempo do fascismo – tinha plenos poderes para resolver todos os problemas da comunidade. Sem capacidade jurídica que transcendesse as “fronteiras” do território, a comissão foi, em termos práticos, o executivo que levava à prática as deliberações tomadas em assembleia geral pelo povo da aldeia. Entre essas deliberações contaram-se, por exemplo, a dado momento da história, “atribuir ao forasteiro o estatuto de cidadão, ao serem-lhe concedidos todos os direitos e deveres que usufruiam os naturais”.

Por motivos legais, em 1989, foi necessário criar uma entidade com “corpo jurídico” que acabaria por substituir a “comissão”. Essa entidade, a Associação do Povo de Aivados, que em termos práticos substituiu a “comissão”, possui uma direcção, um conselho fiscal e uma assembleia geral.

O presidente da direcção, António Ventura, explica-nos que, “embora a Associação possua estatutos, para nós, o que tem mais importância é o nosso regulamento interno, que dantes era apenas oral e que agora, aos poucos, começa a ser redigido”. No entanto, por força da tradição, os moradores continuam a tratar os responsáveis da associação por “comissão”.
E é esta “associação/comissão” que continua a governar, a gerir os interesses da comunidade, sendo periodicamente todos os assuntos discutidos em assembleia geral de moradores. Hoje, por motivos legais e burocráticos, colocam-se novas tarefas aos responsáveis da aldeia, tanto mais que, nos últimos anos, graças a uma boa gestão, o património da comunidade tem crescido, existem constantes entradas e saídas de dinheiro, há contas bancárias, enfim, é preciso uma contabilidade organizada, muito diferente daquela que existia há algumas décadas. Por exemplo, presentemente, os terrenos conhecidos como “folhas”, que até há poucos anos eram explorados individualmente pelos moradores interessados, passaram a ser explorados directamente pela Associação do Povo de Aivados, que possui vários tractores e alfaias agrícolas. Os pastos desses terrenos já não são vendidos a terceiros (agricultores  vizinhos) mas sim aproveitados para o rebanho colectivo, que possui mais de 500 cabeças de ovinos. Ou seja, a Associação, como pessoa colectiva, passou a funcionar como uma empresa agrícola. E não só porque, além das vertentes agrícola e pecuária, a Associação tem a seu cargo outras tarefas, tais como, por exemplo, renovar um contrato de arrendamento com uma empresa que explora uma pedreira dentro dos terrenos comunitários.

Para António Ventura, “tão ou mais importante do que a verba envolvida no aluguer desse terreno – verba que dá um certo desafogo financeiro à comunidade – existem outras questões à margem também importantes, como a empresa criar postos de trabalho aos moradores da aldeia ou, por outro lado, respeitar as questões ambientais”. A acção dos “governantes” da aldeia também se faz sentir nos contactos com o poder local (Junta de Freguesia e Câmara Municipal), em obras de beneficiação de espaços públicos e mesmo na aquisição de prédios urbanos ou construção de algumas obras, como seja a casa mortuária.

Uma das próximas metas da Associação do Povo de Aivados é realizar obras de beneficiação num prédio comunitário e transformá-lo em sede e arquivo, “um arquivo seguro – no dizer de António Ventura – onde possa ser guardada toda a documentação relacionada com a história da aldeia, nomeadamente os manuscritos, hoje à minha guarda, na minha casa, que naturalmente não oferece condições de segurança, porque, além da humidade normal de uma casa, que estraga documentos, é sempre possível um fogo, um assalto ou outra anomalia qualquer”.
“Tudo é de todos, nada é de ninguém”

In  pt.indymedia

#Mariazinha

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  1. 26 Janeiro, 2009 às 12:24 am

    Mariazinha

    Muito interessante este teu post. Desconhecia em absoluto a existência desta aldeia e o modo como há tantos anos se tem auto-gerido/organizado.

    É sem dúvida um exemplo de autonomia e de responsabilidade colectiva. Prova que a organização comunitária é possível. Ainda ontem me falaram de uma pequena comunidade (não de uma aldeia), tipo comunidade hippie onde as pessoas vivem de uma forma completamente diferente, praticando uma espécie de sistema de trocas e apoiando-se umas às outras. Vou procurar saber mais pormenores pois estes exemplos devem ser dados a conhecer.

    Um abraço

  2. 26 Janeiro, 2009 às 1:19 pm

    “Sim, é possível” viver em comunidade, “sim, é possível” em pleno capitalismo existirem comunidades deste tipo.

    Não é só em Aivados (que conheço bem) que existem, Vilarinho das Furnas, aldeia “afundada” pela barragem do Vilarinho, Rio de Onor, Guardamil, Pitões, etc., em certas aldeias no Alentejo ainda existem os fornos comunitários, onde o Povo coze o pão para toda a comunidade.

    Sem dúvida que Aivados é um caso de longevidade comunal num Alentejo entregue novamente aos latifundiários e ao abandono.

    Parabéns pelo post

    BJS

  3. 26 Janeiro, 2009 às 4:19 pm
  4. 28 Janeiro, 2009 às 4:03 am

    Viva Aivados! Vou lá no próximo fim de semana. Entretanto descobri durante as férias de Verão 08, através de um livro, um modelo de organização social onde não existe um líder e onde todos os membros podem participar de forma criativa na construção desse mesmo modelo. A minha descoberta não é nova: tem mais de 500 anos e é portuguesa. É a realidade da Web 2.0 na vida real das Irmandades do Espírito Santo Açoreanas. Parece, pelo nome, ser um fenómeno religioso ou da religião católica mas não é de todo. Nos últimos meses tenho-me dedicado à pesquisa deste fenómeno que acredito ser uma das respostas para um Mundo Novo que vem aí depois desta mega crise. Fiz um blog onde vou compilando de forma (espero eu) clara, informação dispersa sobre o assunto. Se acharem o blog interessante share it! Serve sempre de estímulo para continuar 😉 Obrigado e have a nice utopian day! Ricardo

  5. 27 Agosto, 2010 às 5:56 pm

    Sou um homem de fé e credito na vossa realidade de que dou graças ao Universo (ou a Deus para os crentes) e que ele vos/nos continue a abençoar. Parece um discurso religioso mas não, apenas espiritualidade/valores humanos, um pouco esquecidos por alguns, mas mantidos vivos por pessoas como vocês e eu!

  6. neusa
    10 Abril, 2011 às 8:41 pm

    ouvi falar que ai nessas aldeiazinhas o presidente da camara doa casas as pessoas para irem para ai morar sabe de alguma coisa diga me algo obrigado

  7. Jorge Manuel Neto Rodrigues
    24 Junho, 2011 às 7:50 pm

    Sou uma pessoa um pouco desesperada com situacoes de total ausencia de principios e respeito pelo proximo. Como exemplo devo dizer que nas cidades ao qual eu vivo e trabalho sinto que vivemos numa especie de um sistema que nos suga, consome todas as energias, desde as mais nobres as humanas, aquelas que muitas vezes ou sempre precisamos para olhar um pouco para nòs pra familia para os amigos. Sinto cada vez mais, encostado a um canto no sentido que muitas pessoas nestes sitios (cidades) vivem numa solidao, sem tempo para elas mesmos para pensarem sobre a vida, sobre a familia. Juntando tudo isto a uma vida sem sentido, com menos capacidade finamceira, levando muitas vezes a fustracao ao isolamento a uma vida pobre sem espirito sem alegria. As pessoas vivem numa tremenda luta a todos os niveis, sendo cada vez mais vizivel na relacao com os outros, uma relacao fria ausente muitas vezes pouco digna de humanidade. Gostava se possivel que me dissesem algo sobre estas aldeias, como seria possivel eu poder fazer um projecto, quem sabe poder ter uma vida virada para os outros pra mim pra familia, de uma forma completamente diferente das cidades e muito menos stressante e doentia. Ficarei esperando por possiveis informacoes, obrigado

  8. 29 Maio, 2012 às 9:45 pm

    São estas as últimas publicações sobre este tema? Gostaríamos de saber mais. Obg
    O Alentejo não tem fim!

  9. Maria Martins
    16 Março, 2020 às 4:50 am

    Adorei tomar conhecimento (numa pesquisa aleatória no google) desta aldeia comunitária. Cumprimentos, bem hajam

  1. 25 Agosto, 2009 às 6:45 pm

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